terça-feira, abril 29

não há quem se lembre de jardins habitados
de fontes murmurantes
de heras asfixiando antigas mágoas

dormem

já não se semeiam rosas na neve

emudecem os sinos
a memória das rosas renasce no instante do murmúrio dos fungos
desenham se rugas no vento

silenciam se as rosas

sábado, outubro 13


as tuas mãos macias como vales
que prendem
me prendem
e desprendem...
que me fazem gemer e que me iludem
me rasgam curam e descuram
me vestem de amor e de ventura



Maria Teresa Horta

sábado, outubro 6

silêncio 9


e de súbito desaba o silêncio...
é um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas


Eugénio de Andrade (Sem ti)


terça-feira, outubro 2

silence 8




silencio... enquanto a alma liofiliza

quarta-feira, agosto 29

e por vezes


E por vezes as noites duram meses
e por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão-Ferreira
Pintura Nicoletta Ceccoli

terça-feira, agosto 21

leituras de verão III


É melhor que eu não tenha outro nome que aquele que me deres. E, quando eu partir, por ele te lembrarás sempre de mim: e eu, quando me lembrar de ti, saberei de certeza quem sou, tendo sido para ti esse nome que me deste.

In O Físico Prodigioso, Jorge de Sena
Fotografia: Sophie Thouvenin

quinta-feira, agosto 9

leituras de verão II



(Já o libertara do estereotipo masculino, via-o como pessoa e não simples membro da tribo dos homens engatatões. Pouco importava que fosse verdade ou não - porque o desejava assim, assim o via. Por isso na paixão o outro não é real, mas produto do desejo da pessoa apaixonada, os defeitos comezinhos só aparecem quando o estado de graça se desvanece.)


In Olhos nos Olhos, Júlio Machado Vaz
fotografia: autor desconhecido

domingo, agosto 5

onde mora o coração








regresso...
avisto o ondulado da planície
o corte rente das searas
o amarelo vibrante dos girassóis
e o ritmo
              cresce
            decresce
             e pára

ocorrem-me novas imagens
noutros ritmos
melodias de neblinas

neste calor do nervo virgem da terra

concentro me na tua imagem
contorno-a em esboço
salpico-a de cheiros maresis que trago
e suplico-lhe segredos

deslizas-me
ocorres-me
emudeces-me

avivo sentires
adormeço impossíveis
crio-te sempre

...regresso meu amor


fotografia: MG

sábado, agosto 4

boca





A boca
onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila.
O que pode uma boca
esperar
senão outra boca?
















Eugénio de Andrade
fotografia: Giuseppe Mastromatteo



sexta-feira, agosto 3

leituras de verão I

"Oh deuses, meus deuses! Como é triste a Terra ao anoitecer! Como são misteriosas as brumas por sobre os pântanos. Quem vagueou nessas brumas, quem sofreu muito antes da morte, quem voou sobre esta terra transporatndo um fardo demasiado pesado, sabe-o. Sabe-o aquele que está fatigado. E é sem pesar que abandona as brumas da Terra, os seus pântanos e rios, se entrega de coração alegre nas mãos da morte, sabendo que só ela lhe trará sossego"

In "Margarita e o Mestre", Mikhail Bulgákov
Pintura "ausencia XXI", Paul W Ruiz