
De manhã voltou a vestir as calças de ganga desbotadas e a blusa preta de malha grossa. Faz frio. Veste ainda um casaco de penas, púrpura e enrola um cachecol de uma tonalidade mais escura. Guarda as poucas coisas que deixou espalhadas pelo quarto no saco azul. Passa os dedos pela franja curta e de seguida percorre a coberta da cama, afaga-lhe as mãos, a face, os cabelos, detém-se nos lábios com o olhar de quem vê para além dos sonhos... Sai para a rua e caminha até ao ponto mais alto do castelo. Com o pensamento percorre as vias romanas da velha cidade, passeando-se pelos tempos do Odiana... espreita cautelosamente para dentro das muralhas e recorda o sabor de outros tempos em que o amor que faziam não tinha sempre este sabor de adeus. Desce devagar saboreando o mistéro das ruas e ruelas, do mercado onde os cheiros a envolvem. Desce devagar, compra pão fresco na padaria e flores a uma velhota sorridente. Sente o cheiro do café forte e dos ovos mexidos. É recebida em silêncio com um abraço que antecipa a despedida. Demoram-se naquele abraço. Comem num silêncio leve. As palavras estão atravessadas na garganta. Por vezes magoam. As águas do rio correm cumprindo o seu destino. Hão-de encontrar-se uma outra manhã num outro lugar, numa outra cidade. Sabem que sim. Acompanha-a ao porto. O barco parte quase de seguida. O rio... o cheiro... o pranto...
XannaX
Pintura: Morning sun, Edward Hopper
1 comentário:
...e a dor passa a morar nessa ausência!
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