Sono de uma noite de Verão

Ouço a pressão do vento, os passos dos homens, ouço o quebrar das folhas, a respiração do ar, o riso inocente das crianças, o choro compulsivo das viúvas.
Ouço o movimento dos cometas sempre que rasgam o céu em voo picado. A passagem sedosa das nuvens e o cantar ténue dos pássaros.
Ouço o passar de mistérios e o respirar do teu sono. Só acordes perfeitos ou sussurros. A realidade obscurece-me a visão, transtorna-me a memória e submerge-me no sonho. Entro no teu sonho. Sinto-te a pele, os poros, o cheiro das tuas pregas.
Ouço as gotas de suor que brotam e começam a deslizar serpenteando as curvas dos teus músculos. Sinto o calor como uma ferida. Um calor que se apodera da cama, dos lençóis, sobe pelas paredes derretendo tudo à passagem. Distancio-me de ti.
Distância. A distância desenrola-se diante de mim de vermelho tinta, tapete lambendo os degraus da catedral em que me encontro. Distante.
Refugio-me na catedral e a distância da multidão entre tu e eu, não pára de aumentar.
Ouço os arrepios da tua pele e o movimento dos teus pelos acariciam-me como asas de borboleta. Vejo-te longe, através do caleidoscópio dos meus olhos.
Não tenho a certeza de nada, de nenhum acontecimento ou lugar. Torno-me una com o espaço. Torno-me as paredes, a cama, os lençóis, o teu respirar. Torno-me todas as incertezas do lugar. Invade-me o calor da matéria derretida. Invade-me a solidão abrasadora do teu sono.
Não posso ter certezas nenhumas a não ser a minha solidão...
...Abismo... Torno-me cometa e caio num sibilar ensurdecedor de angústia...

- Acorda! Acorda meu amor! Diz-me o que as estrelas te contaram de mim.


Pintura: Gustave Klimt (The Kiss-detalhe. 1907-08)